fbpx

EXU VIVE! Grande Rio é a campeã do Carnaval 2022

Na noite desta terça-feira,26, foi confirmado com a abertura dos envelopes e a apuração do que todos nós vimos na Avenida: O desfile arrebatador, impecável e histórico que a Grande Rio apresentou neste ano com o enredo – FALA MAJETÉ! SETE CHAVES DE EXÚ – desenvolvido pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora, estreiantes na galeria dos artistas vencedores no Grupo Especial

Faltando a leitura das notas de três julgadores do quesito Evolução, o ultimo envelope a ser aberto, para o resultado final da apuração dos desfiles das Escolas de Samba do Carnaval 2022, a tricolor de Caxias já comemorava e era aclamada incontestavelmente CAMPEÃ. Esse é o primeiro título de sua história no Grupo Especial. O campeonato foi reconhecido, comemorado e aplaudido de pé por todas as coirmãs e pelos torcedores e publico que ocupava os setores 12 e 13 da praça da Apoteose. 

Confira as setes chaves de Exu que abriram os caminhos da Grande Rio e trouxeram o campeonato! Exu Vive! 

SETORES/CHAVES Setor/Chave 1 – Criação e encruzilhada 

O desfile começa em movimento, dividido em dois momentos complementares: a presença de Exu nos mitos da criação (Primeiro Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira e, de certa forma, Comissão de Frente) e, depois de instaurada a energia, Exu enquanto potência das encruzilhadas – um cortejo de divindades africanas em direção ao Brasil (Ala 1 e Carro Abre-Alas). A energia de Exu está presente em diversos Itãs de criação do mundo. Geralmente associada às energias instauradoras de Olodumaré, Olorum e Oxalá, foi fundamental para o movimento inicial da vida terrena. Nesse primeiro momento, mostraremos de que maneira a energia de Exu (originária da África, tendo assumido, dentro daquele imenso continente, diversas características) atravessou o Atlântico, mar de dendê (diálogo com reflexões contemporâneas de artistas como Ayrson Heráclito e Rosana Paulino), e, em meio aos fluxos diaspóricos, se espalhou pelas Américas, com destaque para o Brasil. Trata-se de uma abertura descolada de qualquer pretensão de realidade: inserimos essa energia múltipla em uma Barca irreal, inspirada em criações de artistas como Zé Alves de Olinda, navegando em direção ao infinito. O desenhar desse imaginário explica o porquê da utilização de tons alaranjados, muito quentes, que evocam o fervor do dendê, sem o qual não se preparam as oferendas sagradas, sangue e seiva do solo afro-brasileiro. Também nessa abertura, pontos de brilho adquirem grande importância, pois evocam as faíscas, centelhas de qualquer criação. Trata-se de uma poderosa invocação e saudação: que a energia circule, tremule, arrepie os corpos-terreiros! 

Setor/Chave 2 – Raiz da liberdade 

Depois de se espraiar em solo brasileiro, a energia de Exu se transmuta e cria raízes profundas: rebrota um “Exu Caboclo”, amefricano, misturado às cosmogonias indígenas. Este Exu guerreiro incendeia os canaviais e espalha aos quatro ventos o espírito da liberdade, tornando-se um porta-voz da luta quilombola. Apresentamos, a partir de diálogos poéticos com o conto “A Cabeça de Zumbi”, de Alberto Mussa, uma interpretação para a ideia de que Exu é um corpo coletivo, uma ideia compartilhada, bem como Zumbi, o líder de Palmares, que ainda pulsa no chão do Brasil. Celebramos, enfim, a síntese Zumbi-Exu e a luta que atravessa o tempo, em defesa da liberdade. Nesse setor, as complementares cores da escola (vermelho e verde) colorem as fantasias, destacando-se as estamparias de tons muito vivos, pulsantes de coragem. 

Setor/Chave 3 – Terreiro e mercado 

Ensinam os sábios: sem Exu não se faz nada – mas Exu não faz nada de graça. O terceiro setor do desfile celebra Exu enquanto energia que dinamiza as trocas, levanta a poeira nos mercados e atua enquanto mediador entre deuses e homens, fiscalizando o Oráculo de Ifá e  verificando se as oferendas aos demais Orixás estão sendo feitas corretamente. A síntese do setor é a visão de um mercado que se faz terreiro (ou vice-versa), espaço de trocas comerciais e simbólicas – trocas de ensinamentos. Apresentamos Exu como energia fundamental para a consolidação dos candomblés (daí a menção ao axé da Casa Branca do Engenho Velho) e a consulta aos Oráculos dos Búzios e Ifá. Destacamos, ainda, a importância do sagrado padê, oferenda arriada nas esquinas e nas encruzilhadas. Louvamos a sabedoria que bebe, come e dança – entre feiras, bancas, tendas, capoeiras, vendedores, pregoeiros. A presença da palha e de elementos em madeira (caixotes de frutas; esculturas cujos talhes buscam a madeira lascada) muito dizem do universo evocado, intencionalmente misturado – qual mercado, afinal de contas, não é algazarra, fervo, confusão e gritaria? 

Setor/Chave 4 – Alma das ruas, noites da Lapa 

O quarto setor do desfile saúda o “Povo da Rua”, entidades da Umbanda e das macumbas cariocas que expressam incontáveis transformações de Exu em território brasileiro. Num contexto urbanizado, tendo a Lapa carioca como cenário mítico, celebramos Exus e Pombagiras de diferentes linhas, “Exus Catiços”, que nos guiam a um reinado de boemia, embriagados de paixão. Ah, as exusíacas noites da Lapa! Universo de malandros, bares, cabarés, esquinas, sarjetas, luzes, navalhas, jogatinas e golpes de sorte – é ele quem dá as cartas e quem nos protege não dorme! Neste setor, a popular figura de Zé Pelintra é exaltada, bem como Tranca Rua e Maria Padilha. Bateria, Velha-Guarda, passistas e ala LGBTQIA+ aparecem nesse momento, certamente o mais próximo daquilo que o grande público imagina de um enredo que exalta Exu. Esses signos são aglutinados na alegoria-síntese, um altar ambulante, com a presença da arte de rua, que serve de fecho para uma sequência de cores intensas, noturnas, com destaque para as variações de azuis, lilases, vermelhos, pretos e rosas. Laroyê! 

Setor/Chave 5 – Festas, folias, carnavais 

Qual folião nunca pediu proteção a Exu antes de ganhar as ruas, girar nas encruzas e brincar carnaval? A energia de Exu está totalmente ligada às folias de rua e à celebração do carnaval, uma vez que o título de “Odará” coroa o “Senhor da Felicidade”. O setor passeia por gramados, ruas de Reis, ladeiras baianas e pernambucanas… e desemboca no asfalto carioca de bate-bolas, blocos, escolas de samba! Trata-se de um grito de alegria, depois de momentos tão tristes: invocamos a energia brincalhona de Exu para riscar a Sapucaí com a memória delirante do bloco Sete da Lira ou com os olhos saudosos (em êxtase!) das criações de Joãosinho Trinta, o mais exusíaco dos carnavalescos. Todo excesso será permitido! Novamente, observa-se a opção estética pela mistura de fantasias (uma ideia de confusão foliônica) e pela utilização de materiais associados aos carnavais de outrora, como chicotes de metaloide, pompons, plumas e paetês. 

Setor/Chave 6 – De tinta e de sangue 

Ao longo do século XX, Exu despertou o interesse de uma legião de artistas, transformando- se em personagem de obras literárias, pinturas, esculturas, músicas, filmes, espetáculos em geral. Hoje, século XXI, Exu é um dos grandes temas da arte contemporânea brasileira, aparecendo vigoroso em trabalhos que ocupam muros e galerias, na batida frenética de uma juventude disposta a questionar e a subverter a ordem. “Exu nas escolas!”, cantou Elza Soares – o setor faz coro a ela e mostra uma diversidade de reinterpretações artísticas (regurgitações) possíveis: a boca que tudo come! Cada fantasia mescla elementos que evocam produções de diferentes artistas. O tripé expressa as ideias de experimentação e contemporaneidade, com ferros à mostra, fiações e materiais plásticos: boca, antenas, estômago. 

Setor/Chave 7 – Recriação e vozes do “lixo” 

A “linha do lixo” é uma das mais instigantes para se pensar a energia de Exu, que circula por espaços associados ao que é rejeitado pela sociedade. Mas de que “sociedade” se está falando? Afinal, que “lixo” é esse? O último setor celebra o pensamento e a arte de pessoas que, excluídas e postas à margem, buscaram formas de se inscrever no mundo enquanto narradores cujas visões desafiam as certezas e propõem recriações. As personagens selecionadas têm em comum os diálogos estabelecidos com Exu, o fato de terem sido consideradas “loucas” e a ligação que estabeleceram com o “lixo”, buscando em materiais rejeitados ou “descartados” a matéria para a construção de obras de arte, figurinos, narrativas escritas ou faladas. Nesse momento, ampliamos as dimensões das palavras da antropóloga Lélia Gonzalez, quando disse, acerca do silenciamento de mulheres negras, que “o lixo vai falar, e numa boa!” O lixo é uma metáfora para falarmos da hegemonia de um dado pensamento, dominante e excludente – o mesmo que insiste em demonizar Exu. Quando subvertemos o olhar e ouvimos Estamira, a catadora de Gramacho que conversava com Exu via telefone, outros horizontes se mostram possíveis – é possível, inclusive, ouvir os astros e voltar ao início, deglutindo o próprio carnaval. As roupas e a alegoria do setor foram idealizadas em parceria com estudantes da Escola de Belas Artes da UFRJ, utilizando-se, para a confecção delas, de sobras de material de todo o processo criativo, além de elementos oriundos de outras agremiações e de outros desfiles sambistas. 

Destacamos, por fim, que a “defesa do enredo” continua nas justificativas dos elementos composicionais do desfile. Entendemos que o tamanho dos textos mais diz da complexidade do assunto e do desejo de expandir as leituras do que de uma necessidade de encerrar ideias: o que desejamos, sempre, é que um enredo se desdobre e ocupe outros espaços. O enredo se materializa no visual, abraçado aos conceitos estéticos que nortearam a criação como um todo. Optamos por excluir o modelo de citação “autor-data” das justificativas para tornar a leitura mais fluida. E registramos, com humildade e amor ao samba, que este foi, sem dúvidas, um processo de “feitura de enredo” dos mais delicados e difíceis, dada a imprevisibilidade do momento que ainda estamos enfrentando. Laroyê!